Quando, no distante dia 26 de fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou oficialmente o registro do primeiro caso confirmado de contaminação pelo novo coronavírus no Brasil, muito se conjecturou sobre como a pandemia iria afetar o país. As previsões variavam entre as otimistas – não irá nos afetar como na Europa, pois temos uma população mais jovem, com baixo índice de fumantes e sistema público de saúde amplo -, e as pessimistas – temos muita pobreza e desigualdade, o governo tem um discurso anticientífico e o SUS vem sendo enfraquecido. Pois, passados 200 dias daquele primeiro caso – marca completada nesta segunda-feira (14) -, a avaliação não é nada boa: infelizmente, os pessimistas estavam com a razão.O País registrou, até este domingo (13), um total de 4.330.455 casos de Covid-19. Com a sexta maior população mundial, o Brasil é o terceiro país no mundo com mais pessoas que se contaminaram, atrás apenas dos EUA (6.520.733) e da Índia (4.846.427), mas muito à frente do quarto colocado, a Rússia (1.064.438). Os dados são da Universidade Jonhs Hopkins, nos Estados Unidos.Já em relação aos óbitos caudados pela doença, o Brasil está na incômoda segunda posição mundial, com 131.625 vítimas fatais. O País só registra menos mortes do que os Estados Unidos (194.087), e está na frente da Índia (79.722) e do México (70.821).Alguns fatos ocorridos durante esses 200 dias explicam o tamanho da tragédia no novo coronavírus entre os brasileiros.
Dança das cadeiras no ministério
O Brasil é o único país do mundo que teve três ministros da Saúde em meio à pandemia, sendo que dois deles – médicos – deixaram a pasta por defenderem a ciência como balizadora das ações. Desde 15 de maio, quando Nelson Teich pediu demissão, a pasta é comandada interinamente por Eduardo Pazzuelo, um general do Exército sem experiência na área.Os dois primeiros a comandarem a pasta deixaram o cargo, principalmente, em razão de pressões do presidente da República, Jair Bolsonaro, para que o ministério adotasse a cloroquina – droga sem eficácia contra a doença – como tratamento oficial. Luiz Henrique Mandetta foi “fritado” e, após um longo atrito com o presidente, demitido do cargo em 16 de abril, quando o Brasil tinha 30.425 casos e 1.924 mortes causadas pela doença. No dia seguinte, Nelson Teich assumiu a função mostrando-se mais alinhado com Planalto, mas isso não evitou que ele também saísse. A insistência do presidente para que o ministério indicasse a cloroquina como tratamento, entre outras coisas, fez Teich pedir demissão no dia 15 de maio, menos de um mês depois de tomar posse – o Brasil tinha 218.223 casos e 14.817 óbitos naquela data.
Resistência às orientações científicas

Cloroquina causou a queda de dois ministros da Saúde no Brasil durante a pandemia (Foto de Narinder Nanu/AFP/JC)Repetindo o conhecido refrão da canção da cantora Kátia, não está sendo fácil ser cientista no Brasil. Muito menos em tempos de pandemia, quando a palavra de especialistas no assunto deveria ser levada a sério e utilizada como principal balizador pelos gestores públicos. Principal orientação de epidemiologistas e infectologistas para conter a disseminação desenfreada do vírus, o isolamento social foi defendido por alguns prefeitos e governadores e duramente criticado pelo presidente. O que se viu, na prática, de modo geral, foi um isolamento pela metade. O abre e fecha nas atividades econômicas sem a realização de um fechamento total (lockdown) atrasou a progressão do coronavírus em algumas cidades, mas não impediu que isso ocorresse. Com a resistência ao fechamento por determinado período, a pandemia se prolongou e a reabertura se deu “na marra”, sem que os números apresentassem queda.Outro ponto no qual os cientistas não foram seguidos diz respeito aos tratamentos utilizados nos pacientes com a Covid-19. “Menina dos olhos” do presidente Jair Bolsonaro, a cloroquina teve sua suposta eficácia contra o vírus rebatida por todos os estudos científicos que a estudaram. Não recomendada por entidades médicas, a droga foi insistentemente indicada por quem não é médico, gerando problemas para os profissionais da saúde. Outro tratamento indicado por políticos foi a adoção de medicamentos preventivos, o chamado “kit Covid”, à população. Isso sem falar na aplicação de ozônio retal, defendida pelo prefeito de Itajaí, em Santa Catarina.
Volta à normalidade com números ainda altos
O Brasil registrou oficialmente 614.941 casos e 34.021 óbitos causados pela Covid-19 nos 100 primeiros dias da pandemia no País. Isso corresponde a uma média de 6.149 casos e 340 mortes por dia no período. Entre os casos 100 e 200, se deram outras 3.715.514 confirmações e 97.604 óbitos – média diária de 37.155 casos e 976 mortes.Com o prolongamento dos efeitos da pandemia, a solução encontrada pelos governantes foi reabrir a economia mesmo com números de casos e óbitos ainda muito altos. Alguns Estados, como o Rio Grande do Sul, autorizaram, inclusive, o retorno às aulas presenciais – contrariando orientações médicas -, e cidades, como Porto Alegre, já vislumbram a permissão para o retorno de eventos e shows com público.Na última semana, o País registrou uma queda no número de novos casos confirmados da doença. Durante o período de sete dias compreendidos entre 6 e 13 de setembro, houve um acréscimo de 4,6% no total de confirmações. Nas três semanas anteriores, o percentual variou entre 7,1% e 7,9% (confira na tabela).

No que diz respeito aos óbitos, o número de novas mortes vem em queda nas últimas quatro semanas. Entre os dias 6 e 13 de setembro, houve um aumento de 3,9% no total de vítimas fatais no Brasil. Nos sete dias anteriores, entre 30 de agosto e 6 de setembro, o acréscimo havia sido de 4,8% – menor do que nas duas semanas anteriores (confira na tabela).

Os indicadores apontam para uma perda gradual de força da pandemia, ainda que uma segunda onda – geralmente mais fraca – possa vir a ocorrer. Os números, porém, apesar de diminuírem ainda são altos. Nos últimos 10 dias, foram registradas mais de 7 mil mortes causadas pelo novo coronavírus em território brasileiro, o que mostra que os cuidados pessoais – isolamento social, uso de máscara, higiene pessoal, entre outros – e as ações dos gestores públicos não devem ser diminuídos
Fonte: Jornal do Comércio