Além do aumento de casos de covid-19 registrados em Caxias do Sul nos últimos 15 dias, o perfil dos pacientes que precisam de hospitalização também sofreu alteração. Pessoas mais jovens, muitas vezes sem comorbidades, aparecem com mais frequência entre os internados nas últimas semanas. No Hospital da Unimed, em Caxias, a equipe médica constatou, a partir de janeiro, um aumento de casos graves da doença entre pessoas de menos idade. Segundo a infectologista Lessandra Michelin, a média de idade dos pacientes que era de 70 a 90 anos caiu para 30 a 50 desde o início do ano. Segundo ela, essa mudança possivelmente esteja relacionada ao relaxamento nas medidas de proteção, associado à circulação de novas variantes do coronavírus.
— Provavelmente tem a ver com a circulação de cepas diferentes com maior transmissibilidade. As pessoas estão cansadas, acabam não utilizando a máscara, o distanciamento, a lavagem de mãos, não fazendo essas medidas que são básicas para evitar a contaminação dos vírus. Também vimos que as crianças circularam mais e acabam contaminando famílias. Adolescentes, principalmente, que se reuniram nesta época de carnaval fizeram com que famílias inteiras também se contaminassem — observa a médica, que integra a direção da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Ainda não há comprovação da circulação da nova variante do coronavírus em Caxias do Sul. A Secretaria Municipal da Saúde solicitou essa análise ao governo do Estado, mas ainda não obteve retorno. Por enquanto, a P1 tem como característica já conhecida a maior capacidade de contágio. Ou seja, ela transmite mais rapidamente o coronavírus de uma pessoa para outra.
Ainda não se sabe, no entanto, se ela é mais letal. Em Porto Alegre, onde a transmissão comunitária da variante brasileira do coronavírus foi comprovada nesta semana, especialistas também atestam a mudança no perfil dos pacientes. São pessoas mais jovens, sem comorbidades, que estão em quadros gravíssimos, segundo Alexandre Zavascki, médico infectologista do Clínicas e professor de infectologia da UFRGS.
Segundo Lessandra, os pacientes mais jovens chegam ao hospital sem histórico de doenças anteriores e acabam sendo internados com um quadro de pneumonia viral grave.
— Os pacientes idosos muitas vezes não morriam só do vírus, morriam de complicações do vírus. E os pacientes mais jovens agora acabam morrendo de pneumonia viral mesmo, por um processo inflamatório intenso. Quando eles se recuperam eles acabam ficando por muito tempo internados e usando uma UTI por muito mais tempo — relata.
Das 475 mortes registradas em Caxias até agora, 16 (ou 3,36%) envolvem pacientes com 39 anos ou menos. Em seis meses do ano passado, foram 10 vítimas com esse perfil. Em apenas dois meses de 2021, já são seis casos fatais entre pacientes nessa faixa etária.
Em Canela, entre as vítimas mais recentes, estão uma mulher de 26 anos e um homem de 35. Nesta semana, um estudo do governo do Estado concluiu que a cidade vizinha, Gramado, tinha transmissão comunitária quando houve a primeira morte no RS por variante da covid-19, no mês passado.
“Todos estão vulneráveis de forma muito parecida”, diz intensivista
Na UTI do Hospital Virvi Ramos, a média de idade da maioria dos internados permanece na faixa dos 50 a 70 anos, mas há três semanas o surgimento de pacientes mais jovens também chamou atenção. Segunda a médica intensivista Beigle Zarelli Marin, o que ficou em evidência, em qualquer perfil de internação, é a gravidade com que as vítimas da doença chegam à UTI. Se antes era possível receber casos moderados para evitar que piorassem, e que acabavam tendo alta sem precisar de intubação, hoje a UTI, que está com lotação máxima, não tem mais esse perfil de paciente, independentemente de comorbidades prévias ou não.
— Antes a gente tinha um número de pacientes sem evoluir para a ventilação mecânica. Hoje não, a unanimidade vai para a ventilação mecânica. Isso denota uma gravidade maior dos casos. Não tem mais aquele paciente intermediário, que vinha mais para cuidados e observação do que para suporte respiratório. Agora, até pelo aumento de demanda, todos os que estão na UTI estão com o suporte respiratório invasivo. Estão todos intubados —descreve a médica.
Segundo Beigle, o fato de serem pacientes mais jovens e sem comorbidades pode interferir positivamente na recuperação e se traduzir em uma menor mortalidade, mas ainda não é possível fazer essas afirmações.
— Não é uma doença óbvia, é uma doença que ainda tem muitas surpresas. A gente não sabe qual é o paciente que evolui mal, então isso não traz segurança para ninguém. Ninguém pode se sentir protegido pela idade, pela ausência de comorbidades. É uma doença muito incerta, não tem fator de proteção. Todos estão vulneráveis de uma forma muito parecida — atesta.
Fonte: Pioneiro