Os idosos são o grupo mais vulnerável a complicações graves provocadas pela covid-19, mas as três primeiras semanas de convívio demonstram que ela também não poupa os mais jovens no Rio Grande do Sul. Dados atualizados até a noite de terça-feira (31) mostram que as faixas etárias mais atingidas até o momento são as de pessoas entre 30 e 39 anos e os sexagenários.
A fatia de jovens adultos responde por cerca de um quinto do total de casos confirmados até a terça-feira (31) no Estado, o que geralmente envolve o aparecimento de sintomas intensos o suficiente para motivar testagens, embora represente apenas 14,5% da população gaúcha conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A análise das 305 notificações registradas pela Secretaria Estadual da Saúde (SES) até as 20h indica ainda que a pandemia vem atingindo em maior grau os homens, com 58% dos exames positivos, e segue muito concentrada em Porto Alegre, onde estão seis de cada 10 pacientes, mesmo que a Capital reúna somente 13% da população do Estado.
Para o infectologista do Hospital de Clínicas Luciano Goldani, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o retrato da pandemia até agora fornece algumas pistas sobre a forma como impacta inicialmente o Rio Grande do Sul, mas deverá se modificar ao longo das próximas semanas com risco de se intensificar em outros grandes centros populacionais e mudar a faixa etária com maior número de exames positivos.
Segundo o especialista, a elevada proporção de doentes entre adultos com menos de 40 anos, que não costumam ser associados a manifestações mais severas da covid-19 mas vem se destacando nas estatísticas, pode ser um indício de que essa parcela da população está seguindo em menor grau as recomendações de isolamento social.
— Pode ser um sinal de que essas pessoas são as que estão saindo mais à rua para trabalhar ou fazer compras. Pode indicar também que os idosos estão procurando tomar mais cuidado e se preservando mais desde o começo da pandemia — avalia Goldani.
Isso não significa que os mais velhos podem respirar aliviados. Com base nas estatísticas disponíveis até a tarde de terça, a faixa de 60 a 69 anos somava os mesmos 19% de confirmações que os trintões. Isso é significativo porque os sexagenários compõem apenas 7,6% dos gaúchos. Ou seja, a proporção de contaminados nessa fase da vida é quase o dobro da dimensão populacional.
Outra possibilidade é que, como a doença ainda tem pouco tempo de existência no Estado, o universo de casos talvez ainda reflita o meio pelo qual o vírus desembarcou em solo gaúcho: viajantes, geralmente de meia idade, muitas vezes provenientes da Europa. Embora o Palácio Piratini já tenha declarado a existência de transmissão comunitária (quando não é mais possível saber a origem da infecção) desde 20 de março, uma boa parte dos contaminados até o momento pode ter adoecido pelo contato com os primeiros doentes, mantendo um perfil sociodemográfico mais homogêneo.
— A doença ainda está no começo. É possível que o perfil se modifique nas próximas semanas, inclusive se espalhando por outros grandes centros populacionais além da Capital, o que por enquanto não ocorreu — analisa Goldani.
Porto Alegre, por ser a cidade mais populosa, com 1,4 milhão de habitantes, principal porta de entrada e saída para outras regiões e com uma densidade demográfica típica de um grande centro urbano, naturalmente apresenta um maior número de pacientes da covid-19 — 190 pessoas, correspondentes a 62% dos registros. É um fenômeno semelhante ao que ocorre em São Paulo, onde a capital soma 78% das notificações em relação a todo o Estado. No caso gaúcho, na lista das cidades com maior número de casos ainda aparecem situações pontuais, de municípios que não estão entre os mais populosos, como Bagé, com 15 casos (segunda mais afetada, mas a 17ª mais populosa), e Torres, com sete pacientes (quinto município mais atingido, mas apenas o 58º no ranking populacional).
Uma possibilidade é que, com o avanço da pandemia, a covid-19 se concentre em outros grandes aglomerados urbanos do Rio Grande do Sul. Por isso, segundo Goldani, é recomendável que regiões que ainda não apresentam números muito elevados de doentes não afrouxem o combate contra a disseminação do vírus.
Fonte: Gaúcha ZH