Grande ponto de discussão e de embates na pandemia de coronavírus, as medidas de distanciamento social são, até o momento, o melhor remédio para conter a propagação do vírus e evitar um colapso na saúde. Na tentativa de equilibrar a balança minimizando ao máximo o risco à população gaúcha, o governador Eduardo Leite apresentou, na manhã desta terça-feira (21), uma nova proposta de distanciamento social. Chamado de distanciamento controlado, o planejamento prevê a retomada de alguns setores em determinadas regiões. Para isso, no entanto, esses locais precisam estar com a pandemia sob controle, e os sistemas de saúde precisam ter capacidade para absorver pacientes com coronavírus.
— Esta é uma estratégia mista, modulada e pactuada. Não é abertura e nem volta à normalidade — enfatizou o governador.
Elaborado com o auxílio de um comitê científico, o plano é bem aceito por pesquisadores, pois, segundo eles, organiza uma retomada lenta e gradual de alguns segmentos importantes da economia.
Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico de apoio ao combate ao coronavírus no Estado, destaca, assim como o governador fez, os bons resultados do distanciamento precoce adotado no Rio Grande do Sul, mas faz ponderações:
— Para nós, é claro que o que funciona é o distanciamento e que ele teve um efeito bom, mas tem que pesar a duração com outras variáveis. As pessoas precisam tomar cuidado com o pensamento binário: ou fica em casa ou sai para ir ao parque. É preciso entender que saídas desnecessárias não são recomendadas — diz a reitora.
Ela lembra que, apesar de o distanciamento ainda ser a melhor saída para conter o vírus, o comitê científico não está alheio às demais questões que envolvem a pandemia. Portanto, compreende e oferece suporte para que a retomada seja feita com a maior organização possível.
— O gestor tem outras considerações além das nossas, e entendemos que há outras coisas. Mas quanto mais ordenado, melhor. Achamos importante ter critérios para que essa abertura não seja desordenada.
O médico infectologista André Luiz Machado, do Hospital Nossa Senhora da Conceição, também entende que a ideia do governo é boa, porém, faz ressalvas:
— Medidas de distanciamento têm de ser mantidas para idosos e pessoas com comorbidades. É um jogo de apostas no sentido de fazer uma tentativa e ficar alerta. O que não pode é ter liberação sem controle.
Cuidado e responsabilidade
Retomar as atividades com responsabilidade é quase um mantra entoado por médicos e pesquisadores. No entanto, com mais perguntas em aberto do que respostas concretas, o cenário que um afrouxamento no distanciamento pode trazer é de incertezas: ainda não há um consenso sobre a imunidade adquirida após ser exposto ao vírus e tampouco se tem a certeza de que os testes usados na população são realmente bons, pondera Lessandra Michelin, diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e membro do comitê, representando a Universidade de Caxias do Sul (UCS).
— Temos estudado o modelo da segunda onda na China e não tem sido fácil. Gostaríamos de que se mantivessem as medidas restritivas até ter uma vacina. Como para isso há uma longa estrada pela frente, se precisamos retomar, que seja com muito cuidado, responsabilidade e monitoramento, inclusive para recuar, se for preciso, antes que seja tarde — conclui a diretora da SBI.
Embora considere a proposta positiva, Luciano Goldani, professor titular de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, faz algumas observações em relação ao material apresentado. Segundo ele, falta o governo esclarecer como serão tomadas medidas de controle em fronteiras e aeroportos, a fim de monitorar possíveis casos importados.
— Não adianta fazer flexibilização do distanciamento no Estado. Tem que ter política de controle, e isso não foi mencionado. Em Wuhan (na China), reabriram a cidade e houve comemorações. Ao reabrir, começaram a ter casos importados. Seria mais ou menos esse o paralelo — ilustra.
Fora isso, Goldani é enfático ao dizer que não basta só criar leitos. É preciso garantir os equipamentos de proteção individual para as equipes de trabalho.
— Tem que ter proteção e testagem boa para conseguirmos suportar um possível aumento de casos — destaca.
A proposta de Leite está aberta para sugestões e deve ser concluída a tempo de ser colocada em prática ainda no começo de maio.
Fonte: Gaúcha ZH